terça-feira, março 08, 2011

Abandono Afetivo

Ele chegou pontualmente na hora marcada, quatro da tarde. Tocou a campainha, quem abriu a porta foi o filho, um garoto de dez anos. Fazia mais de um ano que os dois não se viam. A reação dos dois foi de uma enorme surpresa constrangedora. O pai percebera que o filho crescera muito, que estava diferente. O filho , via um homem, cuja fisionomia muitas vezes se esforçava para lembrar.

E com uma brutal franqueza disse que estava ali por causa de uma ordem do juiz, que , se não viesse a ex-mulher faria com que pagasse uma elevada indenização. E como ele estava com dificuldades financeiras, não teria como fazer.

Sua mãe está me acusando de abandono afetivo. Você sabe o que é isso, perguntou ao filho?

Claro que o menino disse que não. O pai exolicou que abandono afetivo queria dizer que ele não se preocupava muito com o filho, que não lhe dava carinho, e completou :

"O que eles não dizem é que também fui vítima de abandono. Sua mãe só queria cuidar de você, me ignorava totalmente. Isso me deixava com uma raiva danada. No fim do nosso casamento eu nem aparecia em casa. Saía do escritório, ia para um bar, ficava bebendo sozinho. Ela achava que eu tinha outras mulheres, mas não. Eu não tinha ninguém, estava abandonado. E por que estava abandonado, abandonei a casa, abandonei você."

O menino só ouvia. "Mas sabe em quem eu pensava quando estava sozinho bebendo? Pensava em você. Lembrava de você ainda bebê, lembrava de seu sorriso, das primeiras palavras que você disse. Dos primeiros passos que deu. Dos primeiros brinquedos que lhe comprei. De nossos passeios de bicicleta, você se recorda disso?"

Não , o filho não recordava. Deu um longo suspiro, olhou para o relógio e viu que já se passara meia hora, o tempo mínimo da visita.

Ele poderia ir embora, mas, mudou de idéia e queria ficar. Perguntou então ao filho se podia ficar.

As lágrimas lhe corriam pelo rosto e o menino então ficou sabendo o que é abandono afetivo.

(Folha de S.Paulo - Moacyr Scliar)

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